domingo, 29 de março de 2009

Segunda de manhã

Passando correndo pelo cascalho molhado de orvalho fresco ainda, ela sente a brisa de um novo dia acariciando-lhe as maçãs do rosto e também sente o gosto de algo inacabado tomando conta de sua saliva ainda inerte e tomada de soluços e desejo.
O dia amanhecia e suas roupas ainda estavam umidas de suor.
O arrebol tomava-lhe o olhar enquanto ela seguia num mesmo ritmo que lembrava um blues acelerado ou apenas preocupação, pois estava atrasada.
As ruas ainda estavam vazias; provavelmente, todos os transeuntes tão comuns àquele asfalto estivessem ainda dormindo, aproveitando seus últimos momentos de descanso, enquanto ela andava mais depressa, de olhos pouco abertos, atrofiados pela luz do sol ainda criança surgindo num horizonte que ela não conseguia enxergar.
Sentia-se feliz e leve, embora fosse inverno e suas roupas pesassem um bocado.
Seu nariz vermelho estava mais rubro que o normal e sua boca, ressecada por lembranças e vertigens, devaneios que a acompanhavam desde que saíra a caminho de sabe-se lá o que.
Ouviu os primeiros ruídos do dia. Carros começaram a ultrapassa-la numa velocidade surpreendente e pessoas surgiam nas bancas de jornal e nas padarias que tinham o noticiário da manhã passando em todas as tvs.
Seu coração havia desacelerado um pouco, podia agora respirar com calma e lembrar detalhadamente dos momentos passados há pouco.
Sabia que nunca mais voltaria. Ela era gato de rua, não queria ter dono.
Acabou chegando em lugar nenhum. E adormeceu.
Ela encontrara o amor da sua vida, mas preferia ter o destino como melhor amigo.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Correnteza

O sangue escorre pelas veias azuis que intensificam a palidez dos meus braços me deixando mais vulnerável mesmo que involuntariamente.
Com ele, passam os dias e os amores e só restam dúvidas pairando, sorumbáticas, no feixe de luz que invade o quarto pela janela numa manhã clara e aconchegante de quarta-feira pós-transtorno.
Palmas avançam tomando conta de todo o espaço que tem cheiro de tabaco queimado e café esfriando.
Não há viv'alma além de mim por aqui, mas ouço respirações vindas de outros corpos, mas talvez só seja efeito de tantos copos; eu não me importo agora.
Preciso de um pouco de certeza pra poder continuar sem tropeçar nas minhas próprias escolhas tortas que parecem justificar o caminho que segue a vida lamuriosa na corda bamba do destino.
Minha vida não tem guarda-chuva para se equilibrar, nem grandes feitos dos quais lembrar, nem mesmo um alicerce pra se apoiar.
E é quando o outono começa que percebemos o quão sozinhos estamos.
E as coisas parecem piorar quando há sol, vento, amor e saudade.

sábado, 21 de março de 2009

E é como olhar para o cano de uma arma

E então ela dispara e de lá saem todas estas palavras. Há um lado muito agradável em você, um lado que eu prefiro muito; que ri e faz brincadeiras.
Me lembra os abraços na cozinha, para relaxar as coisas. E era tão excitante!
Mas agora é meio difícil de lembrar isso, em um dia como hoje.
Eu estou enrascado novamente, não estou? Imagino que sim, porque você se virou de costas fazendo aquela cara de decepção silenciosa, aquela que eu não suporto!
Não podemos rir e fazer brincadeiras? Lembrar os abraços na cozinha para relaxar as coisas? Mas agora é meio difícil de lembrar isso, em um dia como hoje.
É, me desculpe por estar atrasado, eu perdi o trem e o trânsito estava engarrafado. E eu não quero ser forçado a continuar essa discussão que sempre ocorre quando você diz que eu não me preocupo.
É claro que me preocupo; óbvio que me preocupo!
Então ria e faça brincadeiras e lembre dos abraços na cozinha para relaxar as coisas. E era tão excitante!
Mas ainda é meio difícil de lembrar isso, ainda mais em um dia como hoje.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Pra completar o primeiro dia de outono:

"Já é outono! - Mas por que lamentar um eterno sol, se somos levados à descoberta da claridade divina - longe das pessoas que morrem sob as estaçãoes.
O outono. Nosso barco levado por brumas paradas vira para o porto da miséria, a cidade enorme de céu manchado de fogo e lama. Ah! os trapos podres, o pão enxarcado de chuva, a embriaguez, os mil amores que me crucificaram! Será que nunca acabará este vampiro rei de milhões de almas e corpos mortos e que serão julgados? Me revejo com a pele roída pelo lodo e pela peste, vermes no cabelo e vermes maiores ainda no coração, deitado entre desconhecidos sem idade, sem sentimento... Poderia ter morrido lá... Horrível lembrança! Detesto a miséria.
E temo o inverno porque é a estação do conforto."

Rimbaud

Bob Dylan num fim de tarde

um pouco de outono e fumaça.


'The answer, my friend, is blowing in the wind.
The answer is blowing in the wind'

segunda-feira, 16 de março de 2009

e o poderoso chefão

Manhã fria perdida nas lembranças de um ontem que já é distante por ser proibido.
Culpa pesando a consciência complacente que faz jus ao juízo que já não é mais por ser perdido.
Amores assombrados por mentes canibais que devoram corações por não os terem mais.
Pensamentos voando lânguidos em direção ao céu quase outonal por serem leves e difíceis.
Tempestades de verão fechando março num quase abril, derrubando folhas verdes que não chegaram a secar por serem prevenidas e jovens pra sempre.
E então um som siciliano, tocado num violão, lembrando o poderoso chefão, por ser triste como uma ultima segunda de verão.
No bar um brinde ao sexo, outro às drogas, e um gole ao rock'n'roll, por ser.

sexta-feira, 13 de março de 2009

500

Confia na tua mente e no teu maço de marlboro. Tem dias que são os unicos dignos de sentimento.

Lua cheia

Sexta-feira treze.
Hoje trago um pouco de ódio e um pouco de duvida.
Acordei folk e vou dormir rockabilly.
Tô precisando de muitas coisas agora.
muitas. mesmo.

bom sabado quatorze pra mim.
afinal, hoje já acabou.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Supra-Sumo

Uma quinta-feira quente; Não tanto quantos tantas outras quintas, mas, ainda assim, quente. Quente o suficiente pra me fazer clamar por inverno. Mas ainda é outono, e as folhas caem lânguidas e flores pintam o chão de roxo enquanto as pessoas fumam e nós reclamamos do tédio. O tempo parece rastejar e num instante, depois de tanta coisa, os sentimentos dissimulados que todos sentem mas não gostam de demonstrar acabam querendo gritar, fugir, correr; e escapam pelos poros, pela boca, pelos olhos indômitos - e quando isso acontece, mate-se uma amizade de anos, um romance de meses, uma certeza que vivera poucos segundos. Hoje é quinta-feira. O céu borrou a cor no fim da tarde e me fez esconder a raiva embaixo do tapete. Hoje não teve amor, nem paz, nem esperança. Hoje foi um dia morto. Morto, mas ainda não enterrado. E ele fede a mofo e insensatez, à loucura e gim; cheira a musgo, podridão e incapacidade. Já é noite. Noite quente. Tão quente e sozinha como tantas outras... e fede a fim.

quarta-feira, 11 de março de 2009

necessário constar:

Hoje ganhei uma barra de chocolate Wonka, comecei a ler rimbaud e escrevi um poema.

haha;

terça-feira, 10 de março de 2009

só pra constar:

keep me in miiiiiiiiiiiind.

segunda-feira, 9 de março de 2009

ao remetente;

É engraçado dar-se conta de que não é você que segue a vida; é o cenário que passa, correndo, como as horas que são todas suas e sem dono.
A estrada corre ao contrário, como ponteiro de relógio no espelho que te remete ao tão esperado encontro entre alma, corpo, coração, desejo. A imagem tão sincera nas primeiras horas da manhã, que no fim da noite, retorcida e suja, te joga na cara um cuspe amarelo cheio de verdade e dor.
Em uma dessas olhadas a si mesmo, qualquer um depara-se com um monstro, e joga a culpa no mundo, nas rugas, na gravidade e até mesmo em deus.
Talvez você tenha mudado. Mudado como aqueles tantos garotos e garotas, que sempre pertenceram ao mundo e às suas delicias. Talvez você esteja mudado como aquelas certezas antigas que abriram feridas tão eternas quanto vivas.
Terrível - mais terrível do que perceber-se como tudo o que há de ruim - é encarar a vida como algo longo e mortífero. Você, sim, tem todo o tempo que o mundo te deu e tem de fazer dele o tempo mais belo e efêmero.
Sabes que o amor que sinto por ti é maior do que o destinado a qualquer outro, a qualquer outra.
No meio da poeira e dos livros numa madrugada perdida entre tantas outras madrugadas de tantos outros perdidos, me deparo com incertezas e medos e fantasmas que, na verdade, nunca foram embora.
E quando raios fazem-se luz de varanda e ventos brindam em uníssono a chegada de uma nova estação, eu só queria paz. Um pouco de paz e sublime esperança. Um pouco mais de esforço. E tua companhia.

sábado, 7 de março de 2009

sábado a noite

Hoje vou me fantasiar de Allen Ginsberg e sair por aí comendo garotinhos.

É sério.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Judie e Peter

"Na penumbra encararam as órbitas escurecidas dos olhos um do outro, para os olhos levemente luminosos de si mesmos, e ficaram pensativos e escutaram a chuva nos telhados. Sabiam tanto um sobre o outro, no fim, que devia ser impossível que brigassem outra vez. Todo o mundo chovia, mas eles estavam juntos na atmosfera cálida e doce de si mesmos, na luz tênue que seus olhos emitiam na escuridão, no clima que seus corpos faziam ao se abraçarem, ao sabor de sua tristeza amorosa. Estavam completamente sozinhos, juntos na doçura daquilo e só então, por alguma razão só então, puderam recordar do enorme amor que deviam sentir por todos no mundo. E a sabedoria do fato afetuoso de que se amavam era muito verdadeira e definitiva. Tanto que ficaram por horas juntos no escuro sem dizer palavra, ficaram só ali, quietos."

De Cidade pequena, cidade grande
Jack Kerouac

quarta-feira, 4 de março de 2009

it's all about

Era um lance de vontade nos olhos e uma vida inteira nas mãos.
Eles sabiam disso.
Só eles.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Não precisa disso

Está faltando algo.
Muito me lembro das poucas vezes que me senti completa, mas agora não é uma dessas vezes.
Não sei se falta chuva, se faltam olhos, se falta o tato, se falta sangue. Sei que há um buraco que arde, grita, clama, e dorme pra acordar daqui a pouco.
É um vazio estranho e inseguro, nada como um espaço ou uma cama sem ninguém; é um vazio sem nome e sem senso, completo e traiçoeiro e fingido.
Talvez falte só a certeza, a certeza em cima de alguma coisa qualquer.
Talvez eu esteja esperando algo que nao vai acontecer tão cedo.
Talvez eu só precise escutar as mesmas palavras um pouco mais e mais e mais uma vez.
Não sei quanto tempo falta... não sei quanto tempo tenho... não sei o que me espera ou o que eu espero... não sei mais; eu nunca soube.

domingo, 1 de março de 2009

Levinsky diz:

"Os bêbados ou viciados ou sejam lá quem forem que comem cabeças de galinhas vivas nos parques de diversão... nunca ouviu falar de aberrações? Ah, a questão toda está aqui! Todos neste mundo estão se sentindo como uma aberração... você não vê? Não sente o que está acontecendo ao seu redor? Toda a neurose e a moralidade restritiva e as repressões escatológicas e a agressividade suprimida finalmente assumiram uma vantajosa posição de controle da humanidade - todo mundo está virando uma aberração! Todo mundo se sente como zumbi, e em algum lugar nos confins da noite, o grande mágico, a grande figuraa de Drácula da desintegração e loucura modernas, o gênio sábio por trás de tudo, o diabo se quiser, está controlando tudo com seus cordéis de promessas e feitiços."

de Cidade pequena, cidade grande
Jack Kerouac