segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Eu sei, mas nao devia.

por Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

ela disse:

é que eu ando assim, meio desacreditada, decepcionada, irritada com esse lado da vida. e pra piorar, me apaixonei pela imagem que eu criei de você.
você sabe, o problema nao é voce, nem eu; o problema é quando amor e expectativas andam mais juntos do que nós.

domingo, 16 de outubro de 2011

C'mere - Interpol



It's way too late to be this locked inside ourselves
The trouble is that you're in love with someone else
It should be me.
Oh, it should be me

Your sacred parts, your getaways
You come along on summer days
Tenderly,
Tastefully

And so may we make time
To try to find somebody else
This place is mine

You said today you know exactly how I feel
I had my doubts, little girl, I'm in love with something real
It could be me, that's changing!

And so may we make time
We try and find somebody else who has a line

Now seasoned with health
Two lovers walk a lakeside mile
Try pleasing with stealth, rodeo
See what stands long ending fast

Oh, how I love you in the evenings,
When we are sleeping
We are sleeping. Oh, we are sleeping

And so may we make time
We try to find somebody else who has a line

Now seasoned with health
Two lovers walk a lakeside mile
Try pleasing with stealth, rodeo
See what stands long ending fast

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

João Gilberto no trem bala

Maria Eduarda estava voltando pra casa depois de uma noitada, no trem das meia noite e vinte e seis. Estava sonolenta, passara o dia todo perambulando à procura de um amor, que não encontrara.
Sentou no acento preferencial, que nunca tinham velhos, já que estes se recusavam a arriscar suas vidas no novo meio de transporte.
Estava quase dormindo quando um senhor entrou e sentou ao seu lado. Achou estranho ver um homem, daquela idade, entrando pela porta de vidro que não fazia ruído nenhum ao abrir.
Ele carregava um violão velho e tinha os óculos de ouro. Ela o encarou e disse: João, quanto tempo!
Ele olhou pra ela, meio tímido, e só sorriu. Encarou o violão torcendo pra que Maria não puxasse assunto. Maria continuou.
"gosto muito daquela música, em que você canta sobre A Felicidade"
"é a que as pessoas mais gostam, vou te dizer."
Maria encarou os reflexos na janela, e quis chorar. Sabia que a música era uma das mais verdadeiras que já ouvira, e não parava de cantarolar.
Ficou pensando no que seria da sua vida se a felicidade que ela tanto procurava passasse rapido demais, fazendo não valer o sacrifício.
Há muito havia esquecido o que era ter momentos alegres, já que procurava, sem sucesso, a plenitude.
Maria leu uma vez que nunca estamos satisfeitos. É preciso estar muito triste ou em êxtase, o que fazia um sentido absurdo, e era como uma lei que regia a existência humana (se não humana, só dela e do autor da frase)
Pensou em quantos momentos perdera por pensar que melhores viriam e pensou em quantas pessoas deixara de lado, achando que encontraria outras tantas melhores.
Ouviu o sinal de que a estação havia chegado, olhou pro lado e João já havia sumido.
Até hoje Maria não sabe se o nome do único senhor do trem bala era João, mas jurava que o ouvira cantando "tristeza não tem fim, felicidade sim" enquanto ela encarava os reflexos.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

the call of the wild

“There is an ecstasy that marks the summit of life, and beyond which life cannot rise. And such is the paradox of living, this ecstasy comes when one is most alive, and it comes as a complete forgetfulness that one is alive.
This ecstasy, this forgetfulness of living, comes to the artist, caught up and out of himself in a sheet of flame; it comes to the soldier, war-mad in a stricken field and refusing quarter."

Jack London