Ele saiu às 6 da manhã.
Chovia desesperadamente como se aquele fosse o ultimo suspiro das nuvens de chumbo - das nuvens de chumbo dentro e fora dele.
Sua capa pouco o protegia dos pingos insistentes, contínuos e frios - frios como as mãos das donzelas que saem à procura de um foda ou de uma embriaguez; frio como o sorriso de seu pai que morrera antes mesmo do filho nascer; frio como o coração de sua mãe, velha imprestável largada no sofá há alguns anos, que só sabia reclamar da vida e do tempo, das gotas frias da chuva e do calor insuportável do sol, do final da novela e dos vizinhos que não mais vinham fofocar-lhe.
Era de couro preto, a capa, e combinavam com as luvas que não serviam para esquentar os dedos judiados e amarelos.
Parou embaixo do ponto de onibus, junto com mais tantos outros matutinos.
Tirou as luvas e guardou-as no bolso. Tirou a caixa de cigarro que estava escondida esse tempo todo, para não se molhar, e acendeu, com dificuldades, seu penúltimo cigarro.
O tragou incessantemente, com o olhar de repudio dos amigos que dividiam o ponto de onibus e com o olhar de vontade da moça que brincava com o isqueiro prata.
Olhou para ela, e sentiu correr-lhe algo quente pela espinha. Desistiu.
Terminou seu cigarro e jogou-o na calçada, esperando que a chuva o lavasse dali.
Dirigiu-se ao bar mais próximo.
Pediu uma dose de whisky depois de desejar feliz aniversário ao balconista, que fazia aniversário todo dia 13, de todo o mês, por questão de superstição.
Tomou seu copo e saiu. Ainda chovia, agora menos, mas chovia.
Foi direto para casa. Cumprimentou em silêncio a mãe que o esperava todos os dias, às 6 da manhã, e foi dormir.
Tomou um banho no chuveiro quase sem agua, por mais que houvesse excesso da mesma do lado de fora, e deitou, de pijama, na cama que utilizava há mais de 20 anos.
Tratou de dormir logo depois que sua mãe gritou um "boa noite" tímido da sala.
Precisava descansar.
Confeitar bolos de madrugada não é trabalho pra qualquer um.
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