Era véspera de finados quando ele me ligou. Estava um frio de rachar e as pessoas estavam dançando sem parar ao som de uma música que eu não conhecia. O lugar estava abafado e as luzes, que não paravam de piscar, faziam com que minha cabeça doesse. Saí do salão pra atender ao telefone; ele desligou. Não retornei a ligação e acendi um cigarro pra não perder a viagem.
A noite estava congelante e as pessoas na rua olhavam curiosas pra porta da festa que abria e fechava sem parar. Uma mistura maluca de tráfico de drogas e fantasias de halloween enquanto meu pulmão queimava e os carros passavam sem pressa a observar o movimento pouco comum nas ruas.
Ele passou pela festa e me viu fumando, atravessou a rua para vir me comprimentar. Me perguntou o que eu andava fazendo logo de cara e disse que tinham livros meus parados perto de sua cama. Eu disse que não fazia nada demais e que nem lembrava dos livros. Ele riu.
Elogiou minha fantasia e disse que há muito tempo não nos víamos. Eu concordei, afinal já tinham se passado dois anos, e como se fosse uma lei do destino ou de sei lá quem, ele estava de volta, bonito como sempre, parecendo mais jovem, cheio de coisas pra me contar.
Disse que estava jogando futebol com os amigos e que havia largado o cigarro; que não escrevia mais e que estava à procura de algo novo pra se interessar.
Acho que ficamos mais tempos calados do que conversando - observávamos a rua e, vez em quando, comentávamos as pessoas que iam e vinham, quase tão perdidas como nós.
Éramos tão íntimos no frio da primavera, que sorriamos olhando a lua e não precisávamos explicar.
Soltávamos observações sobre a vida e aprendemos a nunca nos super estimarmos na frente um do outro.
Era um jogo em que sabíamos que os dois sairiam perdendo e que não valia a pena usar mascaras ou tentar esconder o que quer que fosse.
Ele me perguntava insistentemente o que eu queria da minha vida, eu pensava em responder que ele não estava nos meus planos mas me contentava em responder que não pensava em entrar numa faculdade e que queria viajar por aí.
Ele me olhava com olhos distantes enquanto eu dissertava sobre o que estava lendo, e ficava em silencio como se pensasse nas palavras certas, o que me deixava com medo de continuar. Soltava um riso quando eu terminava, abaixava a cabeça e mudava de assunto. E me elogiava sempre que tinha a oportunidade.
Ele é o cara mais legal que eu já conheci, e é uma pena não sabermos disso.
Ainda gosto de imaginar nós dois juntos no futuro, por mais que não seja o que eu quero.
Gosto de te-lo distante, reaparecendo a cada dois anos pra me salvar de qualquer delírio que esteja me rondando.
Gosto de te-lo como o ultimo amor romântico que ronda a cidade em Novembro. É boa essa certeza de que nada é certo pra valer.
Ele foi embora depois de me dar um abraço e falar bem das minhas pintas.
Eu disse que nos encontrávamos para trocar livros, porque ideias não é muito bom trocar.
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