"Ele vem descendo a rua.
Ele vem imaginando uma solução.
Ele anda no mundo da lua.
Ele anda na sua solidão"
O domingo começara claro com aquele sol de manhã de verão entrando pelas frestas da janela de madeira iluminando meu quarto só meu e das minhas duvidas e do meu gato que dormia em cima da minha mão ocupando muito espaço na minha cama.
O dia tinha cheiro de final de final de semana e minha boca tinha gosto de tabaco enquanto as reminiscências de um sábado triste e chuvoso cobria meus olhos por eu ser tão entregue e tão sozinha e tão idiota e tão toda coração.
Na noite anterior eu havia deixado meu amor escapar pelos meus dedos inteiro pronto pra ser atacado por qualquer biscate que o quisesse. Meu amor que tem o tamanho do vácuo dos meus braços e que tem meu estômago por inteiro e o pedaço de pulmão que ele quiser.
Meu peito doía e não era dor física, era angustia e medo e eu resolvi abrir a janela e encarar o dia e começa-lo de vez sem esperança alguma, porque, se alguma vez ele chegou a prometer algo eu sabia que não ia cumprir.
Fiz força pra destravar as folhas de madeira e minha cabeça doeu assim que dei de cara com a luz que vinha do céu e de todas as outras partes vivas daquela manha viva de domingo morto pra mim.
Eu precisava descer as escadas e comer algo antes que vomitasse. Foi o que eu fiz.
A casa estava vazia com um recado na geladeira pra mim, avisando que viriam me buscar lá pelas três e me levar junto por mais que eu não quisesse ir.
No final do recado haviam as palavras "com carinho" e assinatura nenhuma.
Desejei com todas as minhas forças que qualquer um dos meus amores - os platonicos não praticantes, os platónicos distantes, os platonicos mortos ou os platonicos por si só - viesse me buscar e eu não pensei em cavalo branco ou buquê de flores; eu queria mesmo algumas cervejas e uns cigarros e um abraço e umas palavras de conforto.
Desisti de comer, não tinha fome e nem mais estômago e abri uma cerveja do meu pai (se não tivesse amor, pelo menos tinha álcool).
Sentei na cadeira de cara pra casa do cachorro ausente e pensei em muitas coisas ao mesmo tempo e no final não me lembrava de nenhuma.
Terminei a cerveja e pensei em pegar mais uma, mas estava com nojo de mim então fui para o banho antes. Involuntariamente olhei pro relógio antes de fechar a porta do banheiro e descobri que não tinha se passado nem metade do dia e eu já implorava pra que ele acabasse.
O chuveiro estava gelado e as luzes, apagadas. Encostei na parede fria e deixei que a água me purificasse, como num rio sagrado, e revolvi memórias e defesas e rezei por toda criatura viva. Rezei pelos que eu não lembrava e pelos que não lembravam de mim. Rezei pelos que morreram e pelos que insistiam em viver. Rezei pelo meu avô e pelo cara da TV. Não rezei por mim, porque não quis. Rezei pela garota que achava que sabia o que era amor e que acreditava nisso. Rezei pelo menino com acne que bate punheta toda manhã antes de sair pra ir pra escola. Rezei pela puta e pelo cuzão. Rezei pelas senhorinhas que saiam para ir à feira e rezei pelos beatos que não acreditavam mais em Deus. Rezei pelos homens desacreditados e pelos meninos perdidos. Rezei pelas minhas amigas e pelos meus homens. Rezei e desliguei o chuveiro.
Sai molhando a casa, enrolada na toalha. Andei devagar até meu quarto e coloquei uma roupa limpa. Esqueci de fechar a janela antes de jogar a toalha em cima da cama desarrumada, mas isso foi detalhe.
Era quase uma da tarde quando o telefone toca.
O rapaz bêbado do outro lado precisa de sexo e precisa conversar.
Dediquei-lhe alguns minutos ao telefone. Ele queria enfatizar o quanto eu não gostava dele e dizia que estava apaixonado e que queria me ver. Deixamos o assunto sexual pendente pruma outra hora, prum outro dia, pra quase agora, quem sabe. Ou não.
Liguei o computador pra ouvir musica. Não queria saber de conversar com mais ninguem. Eu precisava só ouvir e mais nada.
Liguei pro namorado da minha amiga e disse que estava descendo rapidinho pra pegar uns cigarros com ele. Ele disse que tudo bem mas pediu pra eu me apressar.
Vesti meu tênis sem meia e sai correndo. Ele me esperava no portão com 3 cigarros na mão e disse que não me dava mais porque restavam poucos pra ele. eu não discuti, nem poderia, e voltei correndo pra casa depois de lhe agradecer devendo mais uma vez minha alma a alguém.
Cheguei em casa sem fôlego e tirei o tênis na entrada. Peguei uma caixinha de fósforo e subi as escadas pra minha e só minha area de fumantes e acendi um cigarro na sombra.
Saia Doors do computador e entrava paz nos meus pulmões.
Acendi um cigarro no outro pra aproveitar a brasa e joguei o filtro fumado em cima do telhado que já está repleto de bitucas.
Conferi o horário e estava quase na hora de me buscarem pra fazer algo que até então não sabia o que era.
Terminei meu cigarro e guardei o outro pra depois, entre o kerouac e ginsberg, na minha caixa de artista.
Tomei outro banho pra disfarçar o cheiro e escovei os dentes.
Coloquei uma calça e uma camiseta e sentei na cama encarando a tv enquanto a voz do jim morrison saia e invadia o quarto inteiro me transportando pra outra dimensão totalmente inventada por mim naquele momento de pura solidão e conhecimento até que o telefone toca.
Implorei pra que fosse o bêbado de outrora ainda precisando de uma garota qualquer pra satisfazê-lo pra eu não pensar duas vezes e me jogar no meio das pernas dele e poder me livrar daquele gozo preso nas minhas entranhas.
Eu atendi o telefone e respondi apenas com um "tá" e peguei meu óculos escuros e desci as escadas.
O carro me esperava na porta e o tempo estava fechado. Deixei o óculos no sofá da sala e tranquei a porta depois que sai, sem conferir se o gato estava dentro ou fora de casa. Gritavam meu nome e me apressavam e eu peguei o tenis que havia largado na porta e o vesti no caminho.
Começou a chover assim que entrei no carro - como acontece nos filmes - e o domingo, como um típico dia de verão, que fora só sol e calor, agora era cinza e cinza e chão.
A chuva ainda estava fraca e depois de um tempinho chovia e fazia sol. Alguma viuva devia estar casando, mas isso não era de meu interesse.
Meu interesse descia o morro, bem perto e muito longe de mim, enquanto o carro seguia na subida íngreme. Ele tinha os cabelos molhados e o olhar de gato de rua inconfundível. Encarou as janelas escuras do carro como se soubesse que eu estava a observá-lo com água na boca e vontade nos olhos, mas garanto que ele nem pensava em mim.
Insisto em fingir que ele ainda é o amor da minha vida simplesmente pra eu me enganar e fingir que não sofro porque paixões platonicas só existem porque sim e não fazem mal se eu não quiser que façam.
Mas não, não adianta.
Ele só é o garoto mais lindo da cidade.
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