sábado, 3 de novembro de 2007

Só uma vez


Saiu para caminhar, observando o arrebol aquecedor que se estendia por toda a longitude do céu, enchendo o peito de sangue efervescente e deixando os olhos razos e mais úmidos que o normal.
Acabara de chover. Existiam poças e um ar limpo que entrava em seus pulmões como música em seus ouvidos. Sentia-se leve, leve como as flores que despencavam lânguidas, derrubadas pelo vento sutil que ia sem deixar sombras, só um tapete amarelo e roxo, colorindo o asfalto que havia recebido fortes gotas insípidas.
Os pés espalhavam água, as mãos procuravam parar o tempo; Trazia olhos em júbilo ao ver todo o mal dissipar-se no horizonte sinuoso.
Sua vida inteira passou como um filme. Lembrou-se de detalhes, outrora esquecidos; De muitas outras pessoas; De como era bom sentir a brisa corta-lhe as maçãs do rosto e a luz da lua penetrar o corpo pelos olhos.
Era uma tarde comum, mas via o mundo de outra forma. Aprendera, mesmo que um tanto quanto tarde demais, que a vida era aquilo, e que aquele pôr-do-sol não se repetiria nunca mais! Era sua única certeza, sua única verdade.
Observou toda a extensão repleta de cores. O pranto orvalhou o semblante inerte, hipnotizado pelo espectro do infindo.
Sentou-se no lugar mais seco que encontrou em meio a todo um mundo molhado. Cruzou as pernas. Respirou fundo e pôs-se a esperar pelo crepúsculo que lhe invadiria a alma como fazia à tarde; que seria belo, mágico, agradável e perfeito por ser ele, por ser todo o resto naquela hora, por ser só uma vez, por ser único.
E então os olhos, já fundos de novo, fecharam-se em imensa paz, e os que encontraram o corpo, já exânime, depararam-se com um rosto mergulhado numa expressão de profunda satisfação.
Amanhecia, as cores voltavam, os pássaros cantavam, mais flores caíam e todo o resto continuava vivendo.



Um comentário:

Anônimo disse...

é Isa, esses são momentos leais.
percebê-los é uma dádiva para raros.


descrevê-los é arte e talento.