domingo, 28 de novembro de 2010

envelhecer

O doutor disse que ando bebendo demais, mas ainda não sei se devo acreditar.
Nunca fui muito de acreditar em veredictos de doutores, de nenhuma espécie - doutores em pessoas, em animais, em livros.
Esses dias sai aqui na cidade, pra dar uma volta, como de costume faço há anos. Os pedregulhos são os mesmo desde que me conheço por gente, e nunca nem cogitaram a possibilidade de tira-los dali. Uma vez tropecei num dos grandes, no meio da praça.
Minha mulher também disse uma vez que ando bebendo demais, mas o fato de eu não conseguir colocar o fio na agulha por causa das minhas mãos que não paravam de tremer não tem a ver com a bebida em si, mas com a minha idade avançada, que alem de fazer tremer as mãos, tirou um pouco da visão com o passar do tempo (tal qual também o olfato, o paladar, a vida).
Pela manhã costumo abrir a janela, lutando sempre para fazê-lo antes do sol estar forte demais, para não arderem os olhos. Geralmente com grande sucesso realizo essa gincana matinal. Tomo meu café e saio pelas ruas, tomando mais cuidado com os pedregulhos agora.
Certa vez seu Dorival disse que ando bebendo e apostando demais, mas quando se está velho, apostas são a única diversão. Um dia ganhei 100 reais no jogo do bicho, apostando no cavalo. Nunca apostei em cavalos de verdade.
A hora do almoço é um momento sagrado. Minha mulher e eu ficamos sozinhos depois que nossa filha cresceu, e hoje conversamos bastante enquanto ela prepara a comida. Depois tiro minha sesta, ela assiste tv. Não nos falamos até o fim do dia, na hora de dar boa noite, pois costumo sair de casa a tarde.
O doutor disse que ando bebendo demais, é verdade. Mas não quero acreditar-lhe.
Vou ao bar todos os dias, encho a cara, mas só porque já cansei de pensar demais na vida.
Não tem muito o que se fazer quando se está velho. Já viveu demais, já pensou demais, já morreu demais. Morrer mais um pouco e apostar nos cavalos não fazem muita diferença.

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