sábado, 6 de setembro de 2008

dois cortados e a conta

A garota moída de véspera aguarda mais um grão de amor expresso. O professor amargo tenta manter-se acordado sobre o jornal pingado na penumbra de um canto. A garçonete passada queima seu dedo na lágrima fervente da máquina estilo locomotiva à vapor.A senhora fraca deixa um pouco do seu batom na xícara branca de louça barataA secretária doce percebe o resto de ai que cai de uma boca espumante. O executivo frio sente o líquido escuro escorrendo por suas veias abertas. A vendedora vazia oferece seu corpo de bandeja enquanto derrama um tanto de suas lamentações. O ator aguado sente a fumaça entrar por suas narinas até experimentar a última gota de uma fala decorada.O aposentado leitoso faz tremer o pires gasto que um dia foi de gato. A estudante descafeinada levanta a mão num pedido mirrado e distante. O homem aromatizado finge não prestar atenção na mulher que lambe o dedo lambuzado de chantilly. O poeta denso ignora dois dedos de prosa e rabisca versos imaginários num guardanapo estampado de rodelas marrons.A moça extra-forte adoça o olhar mexendo suas idéias em movimentos circulares. O desempregado duplo deixa escorrer o da auto-estima goela abaixo.A amiga pela metade pensa que as relações não passam de uma meia-taça.A viúva pura assopra suas lembranças para sorvê-las em um grande gole.O garçom torrado abraça a vassoura por trás do balcão descascado. A filha em bebida em restrições pede à mãe uma porção de sonhos frescos. A adolescente encorpada aperta as coxas quentes querendo servir um sanduíche de si mesma. O músico solúvel em críticas esconde as olheiras por trás dos óculos de lentes mal dormidas.O casal morno alimenta-se de silêncio mastigando um pão amanhecido. A esposa granulada acaricia a baguette num requentado pedido de perdão. A velha triturada estende a mão suplicando uma migalha de atenção. A virgem amanteigada deixa sua calda escorrer sem que ninguém perceba onde ela vai parar.O desquitado italiano hesita antes de pedir um bem-casado. O turista orgânico sorve um sabor estranho enquanto tenta entender a língua que o cerca. A amante cremosa procura o bilhete da sorte entre os restos da mesa ao lado. O garoto cigano de cabelos encaracolados e brinco de ouro lê a sorte na borra decantada antes de partir para o vale lá embaixo.É uma manhã como outra qualquer no Dylan's Café.

paula taitelbaum

Um comentário:

Anônimo disse...

caeiro

foda.