terça-feira, 21 de setembro de 2010

meio-dia

No caminho pro trabalho, sempre passo por uma rua deserta; paralelepipedos soltos e cheiro de mijo perto de cada poste. As paredes pichadas e ao fundo crianças jogando futebol embaixo do sol escaldante do meio dia. Horário ingrato.
Jogo meu cigarro sempre uns três passos antes da calçada e, como se fosse um ritual, atravesso a rua em diagonal pra não atrapalhar o jogo dos pobres menino descalços no único pedaço de asfalto das redondezas.
Na calçada, meses, um senhor coloca cimento fresco, do qual tenho que desviar todos os dias. Ele me olha, não nos cumprimentamos, por mais que nos conheçamos mais que ele a mulher e eu aos meus amigos.
Ele finge não rir toda vez que eu tropeço ao desviar do material de construção, eu finjo que não vou ter uma velhice medíocre como a dele, onde minha maior diversão vai ser observar jovens indo trabalhar embaixo de sol enquanto eu faço cimento pra nada.
Passo pela igreja, cada dia um casal diferente, limpo os óculos e tento ver as horas no relógio, em vão, todos os dias.
A praça infestada de pombos e cachorros e mendigos e eu não olho pros lados pra não correr o risco de ser atingida por um cumprimento torto de olhos fechados pelo sol forte do dia sem sombras.
Vem vindo chuva ao longe, mas ninguém percebe, e enquanto eu corro pra não me atrasar ainda mais, a vida segue na praça e os mendigos dividem comida com os cães e os pombos e pessoas enfrentam filas do banco e existem famílias inteiras almoçando hot-dogs na calçada cheia de amoras afinal a primavera está chegando e a vida continua.

Um comentário:

marvin r. disse...

adorei. sempre me encanta o teu jeito de narrar o cotidiano. mesmo qdo eu penso que a coisa é leve, vem um próximo verso e plá! acerto crítico. a arte de fazer uma folha cair com o peso de um bloco de cimento.
é, minha poetIsa. como você não haverão outras e eu torço muito pra ter um pouco de sorte, só um pouco. um dia eu consigo ser bom assim.

bjs carinhosos, do teu