quarta-feira, 1 de abril de 2009

O jogo

Nos fanados divãs das cortesãs mais velhas,
Pintada a sobrancelha, o olhar langue e fatal,
Num esgar, a fazer das pálidas orelhas
Tombar um retinir de pedra e de metal;

Sobre um verde tapiz, muitos rostos sem boca,
Como bocas sem cor, e maxilares sem dente,
Dedos em convulsão pela febre mais louca,
Sondando o bolso roto ou o seio fremente;

Sob os estuques vis, fila de frouxos lustres,
De candeeiros de mal projetados fulgores
Sobre as frontes letais dos poetas mais ilustres
Quem vêm desperdiçar os seus sangrentos suores;

Eis o negro painel que num sonho noturno
Vi desdobrar-se ao meu olhar claro e curioso.
Eu mesmo, num desvão do covil taciturno,
Encostei-me a tremer, o mais mudo e invejoso;

Desta gente invejava a paixão tão tenace,
Destas putas senis o prazer de tristeza
Galhardos, traficando à minha pobre face,

Um o antigo pudor, outra a sua beleza!

Eu pasmei de invejar tanta pobre criatura,
Correndo ao hiante abismo, e de alma alucinada,
Que tem no próprio sangue a embriaguez que procura
E que prefere a dor à morte e o inferno ao nada.

Charles Baudelaire

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