quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Amor de Restaurante

Eu já estava à mesa havia um bom tempo; rodeado de amigos, cigarros e garrafas de cerveja - algumas vazias e outras ainda cheias.
Elas tinham um papo interessante - as pessoas e não as garrafas.
Elas me faziam gargalhar e esquecer que ainda era terça-feira - as garrafas e não as pessoas.
A música me perturbava, mas eu estava quase deixando de me importar com ela.
O local era amplo e encontrava-se vazio. Ainda era cedo, só meus amigos e eu estávamos "alegres", falando alto e gesticulando com muita animação.
Era um restaurante frequentado por pessoas que vira e mexe desfrutavam de uma "happy hour" no meio da semana, pra aliviar de todo o "stress".
Eu tinha comido uns aperitivos e esperava ansioso pelo prato principal; estava na 4ª garrafa de cerveja e com um imensa vontade de ir ao banheiro.
Conversa vai, bebida vem, mais alguns "croquetezinhos" e ela entra. Óculos escuros, pisadas fortes como a expressão facial, pernas finas e maiores que o normal. Cabelos lisos, longos e castanhos, caindo pelos ombros nus, brancos e ossudos, onde aparecia um pedaço na tatuagem que, na minha mente fértil, estendia-se pelo resto das costas que também deveriam ser brancas e ossudas. Trazia, entre o braço e as costelas, uma bolsa grande que combinava com seus sapatos de verniz.
Sentou-se na mesa mais afastada da ala dos fumantes; bem embaixo de um quadro de rosas vermelhas, com 3 botões, duas flores abertas e outra já despetalada, com as pétalas murchas, da cor do vinho que pedira ao garçom.
Ele trouxe a garrafa de tinto, enchera-lhe uma taça e ia afastando-se da mesa quando os lábios bem desenhados da moça quase suplicaram para que ele deixasse a garrafa inteira.
Ela tinha um aspecto impaciente, e essa foi minha vez de implorar, para que ela não estivesse esperando ninguém - eu ainda tinha esperanças que teria coragem de dirigir-lhe alguns elogios e talvez um convite.
A garota tirou da bolsa um livro de bolso e eu, com a vista já um pouco embaçada, não consegui decifrar o título da obra. Além de bonita, gostava de ler, despertando assim meu mais profundo interesse sincero.
Minhas pernas balançavam embaixo da mesa. A vontade de falar-lhe deixou-me um tanto quanto ansioso demais; eu me desconhecia, não me reconhecia, estava impressionado, apaixonado, louco!
Ela tinha uma postura indiscutivelmente bela e parecia, ali no seu canto sem janela, viver num universo paralelo.
Não tirou os óculos, mesmo não batendo sol onde se encontrava - nem em qualquer outra parte do restaurante. Imaginei muitos motivos: estava com os olhos chorados, ou acordara com olheiras, ou algo que o valha. Não sabia - ainda não sei - só sabia que o mistério que os óculos escondiam deixou-me imensamente excitado.
Serviu-se generosamente de mais vinho, e terminou a segunda taça rapidamente, tornando a enchê-la.
Alguém chamou minha atenção, perguntando se eu concordava com o que acabara de dizer. Fiz que sim com a cabeça, sem desviar os olhos da mulher sozinha no canto.
Deu pra ver de longe suas unhas vermelhas; e eu, de longe, imaginava seu cheiro, seu gosto, sua pele, seu toque. Surpreendi-me pensando em como seria ter uma vida com ela: casa, filhos, televisão, renda estável, um sofá confortável.
Ela era linda. As bochechas fundas exibindo um maxilar retangular e muito liso. A boca tocava a taça com uma leveza fora do comum. Eu podia sentir o vinho esquentando-lhe a garganta e alojando-se confortavelmente em seu estômago - que devia ser belo como todo o resto...
As mãos trêmulas, brancas como a toalha da mesa, seguravam o copo com uma firmeza incrível. A energia dela deixava meu ar repleto de eletricidade, fazendo-me ficar desnorteado. Era como se minha eternidade tivesse se instalado na língua que degustava o líquido cor-de-sangue.
Achei, por um segundo, que a amava; depois, quando vi que ela despejava o ultimo gole de vinho na taça, tive certeza.
Chamei o garçom, pedi que desse de presente à moça outra garrafa do mesmo vinho, dizendo o desprezível clichê de que era de um admirador secreto.
Ele o fez. Li que os lábios dela diziam "obrigada", mas ela fez que não podia aceitar e levantou-se, deixou o dinheiro em cima da mesa e saiu, com pisadas fortes, sem olhar pros lados, da mesma forma que entrou.
Pensei em ir atrás dela, mas limitei-me a imaginar qual seria a cor de seus olhos.

2 comentários:

Anônimo disse...

caralhoooooooooooooooooooooooo
Isa!
Isa!
Isabella, querida. você se superou.
narrativa marcante( aquelas palavras lindas que vc sempre usa"algo que o valha"), intrigante e dona da minha atenção.
gostei muito.

muito mesmo.

vc está ótima.

Anônimo disse...

wow.

eu chuto cinza, e aposto que tem olheiras, e não tem saco pras pessoas.


muito interessante.